Segundo pesquisadores, trâmites lentos atrapalham resultado das pesquisas
RIO- Muitos relatórios para preencher e trâmites demorados para mudar a destinação de recursos financeiros estão entre as queixas de cientistas que desenvolvem trabalhos de pesquisa no Brasil. Um levantamento feito pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e pelo Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa (Confies) revela que os cientistas gastam, em média, mais de 30% do tempo de estudo com a gestão dos projetos. Na maioria das vezes, a burocracia ocasiona demora na aquisição de insumos e gera perdas reais nos resultados da pesquisa.
— O Brasil tem uma qualidade muito boa de pesquisa, mas não consegue transformar esse conhecimento em bens e serviços. O problema do país não é só falta de recursos, é a agilidade para fazer a relação entre universidade, governo e empresas para gerir esses recursos — critica Fernando Peregrino, diretor de Orçamento e Controle da COPPE/UFRJ e presidente do Confies. — Se conseguirmos fazer isso, vamos nos tornar uma potência. Temos vários projetos prejudicados pela burocracia, porque o fluxo de recursos é lento.
Dos 301 cientistas que responderam à pesquisa, 69% afirmaram que o grau de burocracia aumentou nos últimos anos. Quando perguntados sobre a quantidade de formulários que precisam preencher para solicitar apoio ao projeto, 63% disseram que o número é maior que antes. Considerando a amostra do levantamento, 64% dos projetos têm financiamento público.
O pesquisador Oscar Rosa Mattos coordena o Laboratório de Ensaios Não Destrutivos, Corrosão e Soldagem (LNDC) da UFRJ e conta que , de fato, a burocracia é um grande obstáculo ao desenvolvimento de pesquisa de ponta. Entre as questões citadas por Oscar estão a dificuldade de mudar uma verba destinada a pessoal para custeio ou de comprar um insumo que não esteja previsto inicialmente. Processos aparentemente simples exigem solicitações demoradas e não seguem a rapidez exigida pela pesquisa.
— Se quisermos montar um equipamento e durante o processo chegarmos à conclusão de que para montá-lo precisaremos não de dez mas de cinco parafusos, mas além disso, precisarmos comprar mais dois voltímetros, não podemos. Temos que pedir para todo mundo— explica Mattos. — A burocracia exige a previsão de tudo o que vai acontecer durante a pesquisa. Isso não existe.
DECRETO DE REGULAMENTAÇÃO
Embora em 2015 tenha sido aprovada a emenda constitucional 85, que torna inovação uma área prioritária para o Estado, e flexibiliza o remanejamento de recursos, na prática, os pesquisadores defendem que é necessária uma regulamentação mais detalhada. Diante disso, oito entidades ligadas à pesquisa científica, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) formaram um grupo de trabalho e realizaram reuniões com o MCTIC para formular um decreto de regulamentação da atividade de pesquisa. A proposta foi encaminhada ao governo na última quarta-feira e tem a intenção de reduzir a burocracia no financiamento e na gestão dos projetos.
Entre as sugestões, os pesquisadores propõem que as importações de insumos e instrumentos necessários à pesquisa tenham “tratamento prioritário e simplificado” na alfândega e que esses materiais sejam liberados em, no máximo, 48 horas. Eles pedem ainda que a transposição de recursos de uma categoria de gasto para outra possa ser feita sem autorização prévia, a qualquer momento, sendo necessária justificativa apenas na prestação de contas.
— Do jeito que está, é impossível usar a verba para pesquisa de maneira racional. Criou-se uma burocracia infernal e acabamos usando o recurso de uma maneira muito aquém do que poderíamos — diz Mattos.
A sondagem, realizada entre novembro e dezembro do ano passado, ouviu 301 pesquisadores brasileiros que coordenam projetos de pesquisa em 34 universidades federais
Um pesquisador gasta, em média, mais de 33% de seu tempo para resolver problemas burocráticos que incidem, principalmente, sobre a compra de materiais, bens e insumos utilizados nos laboratórios das instituições de ensino superior (IFES) e de pesquisa científica e tecnológica. Essa é a constatação de um estudo realizado pelo Conselho Nacional das Fundações de Apoio às IFES e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), que acaba de ser divulgado.
A sondagem, chamada “O que pensa o pesquisador brasileiro sobre a burocracia?”, foi realizada entre novembro e dezembro do ano passado e ouviu 301 pesquisadores que coordenam projetos de pesquisa em 34 universidades federais, distribuídas em 23 estados e o Distrito Federal. O estudo foi feito com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Responsável pela pesquisa, o presidente do Confies, Fernando Peregrino, disse que o excesso de burocracia traz perdas significativas à atividade de pesquisa e o desenvolvimento (P&D) do País. Conforme disse, em cada universo de 10 cientistas, os serviços burocráticos consomem o tempo de três pesquisadores.
Com base na plataforma de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Peregrino conta que existem 188 mil pesquisadores em atividade no País. Mas que, em razão da burocracia excessiva, quase 60 mil deles são subtraídos.
“Efetivamente, temos uma população de 120 mil pesquisadores. Suponhamos que a metade desse tempo seja necessário, mesmo assim seriam menos 30 mil cientistas (na atividade)”, considerou.
Preocupações
Para o dirigente do Confines, o resultado da sondagem “é preocupante”, já que 75% dos projetos são financiados pelo setor público. Ou seja, são regidos pelas regras de gestão burocrática do próprio governo.
“Trata-se de um desperdício em um país que tem dez vezes menos pesquisadores por 100 mil habitantes em atividade na comparação com a maioria das nações que alcançaram o desenvolvimento”, destacou Peregrino.
Segundo ele, o excesso de burocracia encarece o custo da pesquisa e a torna lenta em uma área dinâmica e que enfrenta uma forte competitividade internacional. “Essa é uma corrida de Fórmula 1 e, nessa corrida, nós brasileiros vamos de fusquinha”, comparou.
Segundo ele, os trâmites burocráticos que retardam o andamento das atividades de pesquisa derivam da complexidade e excesso de legislações, e de dificuldades que os pesquisadores enfrentam na gestão dos projetos, principalmente no poder de compra dos materiais e de importação de bens e insumos utilizados nos laboratórios.
“São regras muito rígidas impostas para o pesquisador conseguir atender o plano inicial do projeto de pesquisa”, lamentou.
Peregrino afirma que, tradicionalmente, o plano de uma pesquisa inovadora sofre com as oscilações do mercado e com as inovações que aparecem pelo meio do caminho. “A gestão de um projeto de pesquisa é diferente de um projeto de construção de um imóvel, porque a pesquisa é inovação, sempre vai aparecer algo novo”, disse.
Apesar dos problemas burocráticos, a pesquisa aponta que 65% dos pesquisadores têm interesse de empreender o resultado de sua pesquisa, com ou sem apoio do governo. Enquanto, 78% afirmam que a pesquisa financiada com recursos públicos deve ser comercializada.
Tendência
O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTIC, Jailson Bittencourt de Andrade, analisou o resultado da pesquisa e disse que a percepção geral do pesquisador é de que a burocracia aumentou, embora a amostragem da pesquisa seja concentrada somente nos pesquisadores que têm projetos nas fundações de apoio às Instituições de Ensino Superior (IFES) associadas às Fundações de Apoio à pesquisa. “Esse ainda é um universo bem restrito”, disse.
Andrade informou que o titular da pasta do MCTIC, Gilberto Kassab, vem trabalhando para minimizar esses problemas na atividade de pesquisa, juntamente com ministérios e outros órgãos.
Para o secretário do MCTIC, essa sondagem, contudo, sinaliza a percepção de que a burocracia é generalizada na atividade de pesquisa e que até aumentou nos últimos anos, em todos os níveis da esfera federal. Para ele, em muitos casos, os entraves estão atrelados às ações do Tribunal de Contas da União (TCU).
Conforme relatou Andrade, também existe burocracia excessiva na esfera estadual, principalmente nas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), que, em muitos casos, está associada ao Tribunal de Contas dos Estados. “É outro tipo de burocracia”, disse. Acrescentou ainda que também nas universidades estaduais existe outra hierarquia de burocracia, fator que também repercutido na atividade de pesquisas nos municípios.
Para o secretário do MCTIC, o ideal é aprofundar a percepção do pesquisador sobre a burocracia em suas atividades, ampliando o universo da pesquisa em todos os níveis, porque o foco do trabalho do pesquisador é a pesquisa.
Marco Legal da CT&I
Andrade acredita que a regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, em processo, deve ajudar a cortar o excesso de burocracia na atividade de pesquisa e também melhorar a relação entre a universidade e empresa.
Andrade lembrou que a reunião do colegiado do Conselho de Ciência e Tecnologia (CCT), na última terça-feira, 24, na sede do CNPq, em Brasília, abordou a questão da burocracia e destacou que o Marco Legal faz parte de uma das comissões temáticas estabelecidas pela Comissão de Coordenação do CCT. O novo Marco Legal da área de CT&I foi aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e sancionado em janeiro de 2016, com oito vetos.
Viviane Monteiro – Jornal da Ciência
Fernando Peregrino, presidente eleito do Confies, revela seus planos para alavancar as fundações de amparo à pesquisa da região
Mestre e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o paraense Fernando Otávio de Freitas Peregrino foi eleito presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Universidades (Confies) para o biênio 2017-2018. Além do novo cargo, ele atua como diretor executivo da Fundação Coppetec e integra o conselho da Fundação Darcy Ribeiro. Peregrino também atua na Coppe/UFRJ, desenvolvendo estudos para o Mestrado e Doutorado sobre modelos das organizações sociais para o setor de ciência e tecnologia, e os impactos do fator Confiança na implementação de políticas públicas.
Ao lado dele, como vice-presidente, estará Suzana Montenegro, atual presidente do conselho e secretária Executiva da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco – Fade-UFPE. Peregrino também contará com uma equipe de 12 pessoas, entre diretores e suplentes.
Nesta entrevista ao Nossa Ciência, Fernando Peregrino fala de seus planos futuros, faz um balanço de sua atuação no Confies nos dois últimos anos, opina sobre a política do governo federal na área da CT&I e fala da importância do papel de protagonista das fundações de apoio à pesquisa do nordeste. “No Brasil inteiro, gerimos mais de 15 mil projetos com cerca de 6,2 bilhões de reais, grande parte está no nordeste”.
Nossa Ciência: Quais são seus planos como presidente do Confies?
Fernando Peregrino: Continuar trabalhando mais ainda pelo fortalecimento da entidade como porta-voz do segmento das fundações de apoio consolidando nossa união de 104 fundações de apoio, tornando-a mais forte para enfrentar as trovoadas que ainda teremos ai pela frente, infelizmente.
NC: Qual o principal desafio que espera enfrentar nesse biênio?
FP: O principal desafio são as restrições burocráticas ao funcionamento das fundações e dos projetos de pesquisa que gerimos. Essas restrições não vêm apenas da administração pública, mas também da falta de confiança que nossa sociedade tem, uns com os outros. Outro desafio é ampliarmos nossa unidade a partir de nosso próprio reconhecimento, ou seja, a partir do intercâmbio de boas práticas.
NC: Nos seus planos futuros, há alguma estratégia voltada para as fundações da região nordeste?
FP: Em termos gerais, vamos enfrentar o desafio de estudar e implantar a autorregulação das fundações. O 34º Encontro Nacional realizado em Belo Horizonte (MG), entre os dias 22 e 24 de novembro, aprovou a ideia, está em sua carta aberta. A autorregulação, caso cheguemos lá, unifica nossa pauta e promove a unificação dos órgãos de controle ao interpretarem um dispositivo legal, pois hoje cada órgão tem uma opinião e resta a nós andar de um lado para outro para nos alinharmos ao que pedem. Para a região nordeste o plano é promover o próximo encontro regional que, como ficou definido, será em Maceió. Parte de nossa força está no Nordeste, pois aí reside grande parte da pesquisa e dos esforços de inovação do país que ultimamente tem se expandido bastante, e dai o papel protagonista das fundações. No Brasil inteiro, gerimos mais de 15 mil projetos com cerca de 6,2 bilhões de reais, grande parte está no Nordeste.
Vamos desenvolver intercâmbio com as redes sociais para dinamizar mais ainda nossa comunicação. O Nossa Ciência nos ajudou ao participar do Encontro Nacional, em Belo Horizonte, e esperamos mais cooperação ainda, com órgãos como o Jornal da Ciência e todos os demais órgãos de comunicação do país.
Vamos concluir nossa pesquisa “o que pensa o pesquisador sobre a Burocracia” feita em parceria, com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), Andifes e o Sebrae que nos dará também um subsídio a mais depois para demonstrar esse problema asfixiante. O Brasil está em 116º lugar em burocracia no mundo, em 69º lugar em inovação e o 75º em IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, e o 72º em PIB (Produto Interno Bruto) per capita, será que não é hora de mudar esse modelo de desenvolvimento?
NC: Parte dessa pesquisa sobre burocracia foi aplicada durante o 34º Encontro do Confies em Belo Horizonte. Qual foi o resultado dessa amostra e o que será feito com essas informações?
FP: A pesquisa que fizemos sobre qual o item mais burocrático confirmou o que estamos denunciando, mas foi muito importante obter a opinião dos presentes ao encontro. O credenciamento das fundações através do Ministério da Educação (MEC) ficou em primeiro lugar, quase um consenso. Também pudera, o GAT (Grupo de Apoio Técnico do MEC) responsável pelo credenciamento repleto de papéis e rituais minuciosos a que submetem as fundações demora as vezes dois anos para concluir esse processo, quando o tempo de validade do credenciamento é de apenas dois anos. Em segundo lugar ficou o Sistema de Convênios (Sincov), um sistema eletrônico que parametriza ações que não podem ser parametrizadas, afinal gerimos projetos de pesquisa. A burocracia interna da própria universidade, o sistema atual de prestação de contas e o Sigitec, outro sistema eletrônico, desta vez da Petrobras, feito com a premissa que está adquirindo serviços padronizáveis e não projetos de pesquisa os quais requerem flexibilidade de gestão como prescreve a Emenda Constitucional 83/2015 e o Marco Legal, mas que infelizmente vem sendo desobedecidos pelos operadores do governo, são outros exemplos de burocracia. Ou seja, os sistemas estão à margem da lei e da constituição, é preciso alinha-los com a Carta Magna.
Qual o balanço que faz de sua atuação como vice no Confies?
FP: Atuamos muito ao lado da atual presidenta Suzana Montenegro e dos demais diretores para viabilizar o Marco Legal, realizamos dois grandes encontros nacionais, em Brasília e Belo Horizonte, o primeiro com a presença de dois senadores, três deputados e dois ministros de estado, e o segundo, com mais de 300 pessoas, 78 fundações, com uma agenda densa em conteúdo e um nível de participação que nos deixou muito felizes e confiantes. Resolvemos o problema da importação através da Medida Provisória 718, conseguimos revisar o PLS 559 que muda a lei 8666 para que ele se coadunasse com as conquistas do Marco Legal, implantamos a rede do whats app entre nós com mais de 250 integrantes, estamos na luta pela revogação dos vetos à lei 13/243 através do PLS 226/2015, implantamos o facebook do Confies. Eu participei de mais de 18 seminários pelo Brasil, tendo percorrido mais de 58 mil km de avião. Ajudamos o deputado Celso Pansera a elaborar o PLC 6461 que retira entraves burocráticos ao funcionamento das fundações, negociamos com a ANP (Agência Nacional de Petróleo) um importante convênio do Programa de Formação de Recursos Humanos (PRH) que incluía pela primeira vez as DOAs (Despesas Operacionais Administrativas), que são as despesas da fundação para execução dos projetos. Enfrentamos a burocracia do GAT no credenciamento das fundações, etc etc. Tudo isso só foi possível porque atuamos unidos. Mas, resta despertar ainda muitos colegas e fundações para uma maior participação. Agora, estamos participando da revisão do Decreto regulamentador do Marco Legal, importante para não enfraquecer nenhuma conquista.
NC: Ter atuado como vice lhe ajudará de alguma forma nessa nova empreitada?
FP: Claro, no período adquirimos experiência, pois estávamos no dia a dia das lutas comuns, sobretudo nos momentos difíceis com entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de CT&I (Consecti), Fórum de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), Conselho Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Fórum de CTI, Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e todas as demais forças da aliança que está enfrentando todos os desafios em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação do país. Creio que o Confies foi uma das entidades que mais cresceu nesse período.
NC: Como avalia as medidas do governo Temer na área da CT&I que incluem, por exemplo, a fusão dos ministérios de C&TI e Comunicações, rebaixamento das agências de fomento, fechamento da representação do CNPq do nordeste, redução de recursos.
FP: Foram medidas que não contribuíram para vencermos o desafio da inovação. Embora eu ache que mais importante que termos um Ministério puro sangue, é termos uma política de inovação, clara, que nos tire desse modelo econômico, um modelo fundado na ampla educação da população e da força de trabalho e na criação de empresas tecnológicas e de uma indústria do conhecimento. Sem isso, com ou sem ministério, continuaremos exportando comodities e produtos agrícolas e importando produtos industriais, enriquecendo os outros, e nos empobrecendo mais ainda, como observamos. Precisamos de um governo que enfrente com inteligência a questão da dívida interna que vai a 3 trilhões de reais e cresce a cada dia, ou seja, mais de três vezes toda a arrecadação de impostos e contribuições, graças a maior taxa de juros do mundo. Nenhum investidor colocará seu dinheiro em um projeto inovador quando sabe que pode aplicá-lo em letras do tesouro direto e se remunerar ao menos a 14% por ano, sem se preocupar. Essa é a verdade, não haverá inovação no Brasil enquanto perdurar esse privilégio das aplicações financeiras em detrimento das aplicações geradoras de riquezas, como são as industriais.
Edna Ferreira
Entrevista com Fernando Peregrino (Vice-presidente do CONFIES)
No início deste ano foi sancionado o novo Marco Legal da Inovação, a Lei 13.243 de 11 de janeiro de 2016. Também conhecido como Código de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), ele foi construído ao longo de mais de quatro anos a partir de discussões de diversos atores sendo sistematizado levando-se em conta uma pluralidade de vozes correspondentes a dezenas de entidades dos segmentos envolvidos, indispensável em uma sociedade em que se busca o exercício da democracia. O principal objetivo: desburocratizar, flexibilizar e integrar o esforço dos agentes que participam do trinômio ciência – tecnologia – inovação no Brasil.
Em entrevista ao Boletim da SBEB, o Diretor de Orçamento da COPPE/UFRJ e vice-presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio as Universidades (CONFIES) Fernando Peregrino explica que o Marco Legal da Inovação surge para reparar os problemas de nove leis que já tinham sido feitas, mas que em grande parte não conseguiam ser implementadas. Segundo ele, num cenário contrário à inovação, em que o país, em menos de dez anos, passou do quadragésimo lugar em inovação para o septuagésimo, demonstrando seguir um sentido inverso ao que ocorre no resto do mundo, a lei da inovação, que é a principal legislação do segmento, precisava ser destravada também. “O Brasil precisava e precisa ainda desamarrar o sistema de geração de inovação do ponto de vista legal, burocrático, econômico, fiscal. Muitos aspectos precisam ser fomentados para que o país possa melhorar sua posição internacional. Aqui há grandes centros de pesquisas, importantes universidades, indústria de ponta, embora numa escala mui- to aquém do que devesse. Além disso, observa-se também boas experiências do ponto de vista da inovação gerada a partir da pesquisa e que são transformadas em produtos, porém tudo isso tem de ser ampliado”, acrescenta.
De acordo com Fernando, no Brasil, há setecentos pesquisadores por cada milhão de habitante; em Israel existem cerca de 7 mil, assim como nos EUA, e na Coreia do Sul essa relação é maior ainda. Ou seja, temos dez vezes menos pesquisadores que nos países que alcançaram o patamar de desenvolvimento. “Esse sistema nosso do jeito que está organizado, bloqueado por dificuldades, pode retardar muito mais o desenvolvimento econômico do país e sua presença no cenário mundial”, alerta.
Questionado sobre as dificuldades existentes em relação à inovação no país, Fernando frisa os entraves burocráticos alimentado pela produção quase compulsiva de leis. Segundo ele, em dez anos, o Brasil produziu 75 mil leis federais e estaduais, ou seja uma média de 34 leis por dia, o que dificulta ter uma capacidade de domínio das mesmas. Além disso, cerca de 20% dessas leis são inconstitucionais e outras tantas conflitantes. Isso tudo, a seu ver, cria um ambiente difícil de se conduzir e desfavorável à inovação.
Outro obstáculo se refere à criação de empresa no Brasil. A necessidade de se seguir 12 passos para criar uma empresa junto aos órgãos de governo demanda um investimento de tempo que requer meses para se concluir assim como para encerrar uma empresa. “São coisas burocráticas que deviam ser simplificadas. Na China, há pouco tempo havia 12 passos que foram reduzidos a um”.
Segundo Fernando, diante dessas dificuldades é que surge o Marco legal da inovação. Trata-se de uma for-ma de combater esse cenário pelo menos por meio do aperfeiçoamento da legislação.
Outra questão importante que o Marco procurou resolver se refere a participação de professores universitários com dedicação exclusiva em atividades de pesquisa que era limitada a 120h ao ano ou, excepcionalmente, 240h. Finalmente essa lei do Marco Legal permitiu que os professores pudessem utilizar 416h, ou seja 8h por semana. Sabe-se que essa limitação é um artificio burocrático pois a atividade de pesquisa é inerente a do ensino e envolve os alunos que participam dos projetos que o professor ensina é também objeto de pesquisa. Essa decisão de 416h deve ser medida pelo departamento assim como a distribuição do tempo”, acrescenta.
Fernando elenca vários outros pontos positivos dessa nova lei. Dentre eles, cita:
– Autorização para que os órgãos públicos participem da criação de uma empresa tecnológica. Por exemplo: uma universidade cria uma tecnologia e pode ser sócia de uma empresa que comercialize o produto, o que pode gerar um retorno financeiro para a instituição pesquisadora que o desenvolveu.
– Descentralização, dentro da universidade, da contratação de projetos e pesquisas, facilitando a assinatura de contrato de pesquisa no interior da instituição.
– Possibilidade de se remunerar o capital intelectual. Sobre isso, Fernando explica que nos projetos de pesquisa que a universidade desenvolve com empresa pública ou privada há uma transferência de conhecimento naquele projeto do pesquisador, do professor para os funcionários da empresa. Esse capital intelectual que é transferido para a empresa precisa ser remunerado, o que, geralmente, não ocorre. Sobre isso, ele apresenta o seguinte dado: “a Coppe e outras instituições universitárias são responsáveis pelo fato de o Brasil explorar petróleo em águas profundas da forma como se faz hoje e de o Brasil ser autônomo na produção de seu petróleo, fato que não ocorria antes. Essa tecnologia da Petrobras foi desenvolvida graças aos esforços da academia em consórcio com os pesquisadores da Petrobras. Mas, nem sempre isso foi objeto de uma patente. Não houve muitas patentes licenciadas da universidade para a Petrobras mas houve transferência de conhecimento que chamamos de capital intelectual, mas isso nunca foi remunerado. A Petrobras sequer deu uma de suas ações a essas instituições em troca do conhecimento que a ajudou a ser vencedora na exploração do petróleo. A lei introduziu essa novidade que a empresa deve pagar pelo capital intelectual, como já paga pelo uso de instalações e laboratórios da universidade por exemplo. Isso torna mais justa a relação de um com o outro e retroalimenta o circulo vicioso da integração universidade-empresa e governo.
– Bolsas sem imposto de renda e INSS para alunos, funcionários. Acerca disso, Fernando ressalta que “as bolsas não são uma forma de se pagar um sub-trabalho. Elas estão vinculadas a projetos de pesquisas, que ajudam na formação. Há uma finalidade acadêmica”.
– Permissão da captação de receitas para a universidade.
– Desburocratização e simplificação da prestação de contas no sentido de agilizar o andamento das pesquisas.
– Permissão de compra de insumos e equipamentos sem obrigação de licitação, que, de acordo com Fernando, não se demonstrou tão eficiente. As licitações
públicas tradicionais fazem opção pelo menor preço e pelo melhor preço, um balanço entre o custo e o beneficio. Sobre isso, ele acrescenta que “no caso da pesquisa, a desburocratização é importante porque o que determina as opções de compra é o curso do projeto provocando mudanças com outras alternativas mais viáveis”. Isso nem sempre é compreendido pelos segmentos de prestação de contas dos governos ou empresas públicas.
– Tratamento simplificado para as compras de bens e serviços pelas fundações das empresas de tecnologia.
– Possibilidade de contratação de pessoal para pesquisa em regime de CLT. Sobre isso Fernando destaca que foi interessante porque as universidades estão se ressentindo de um quadro sempre atualizado para desenvolver atividade de pesquisa. “Às vezes você fica com um quadro estacionário e precisa de mão de obra mais atualizada para fazer certas atividades da pesquisa”, ressalta. A nova lei autoriza contratação pelo regime CLT de pesquisadores dentro de um projeto.
– Autorização para que as verbas de ciência e tecnologia sejam transferidas de rubricas sem necessitar de autorização do Congresso Nacional.
– Criação de um clima de associação de todas as entidades que trabalham com pesquisa. “As universidades, empresas, centros, a CNI, SBPC, ABC, CONFIES, e dezenas de outras, associações se juntaram em torno do Marco Legal. O mais importante é que essa política pública nasce de uma pluralidade de vozes em que todos foram ouvidos – agentes públicos, privados, agentes de coordenação, normativos, fiscalizadores -, comemora Fernando.
Se de um lado observa-se avanços, de outro ainda se luta para derrubar os vetos que se incidiram sobre oito tópicos. Mas, de acordo com Fernando, “já há um movimento junto aos deputados e senadores no sentido de derrubar esses vetos ou por meio de uma medida provisória que reponha os itens que foram vetados ou por projeto de lei”. Dentre os vetos há o impedimento de que estudantes de instituição privada se beneficiem da bolsa de inovação. Além disso, retiraram a possibilidade de autonomia e maior flexibilidade gerencial das entidades que fazem pesquisa básica aplicada em desenvolvimento, engenharia e produção de bens finais. Há também outro veto referente a um dispositivo que dava poder de compra para empresas de base tecnológica se beneficiarem das compras governamentais, que é importante para que elas possam competir, inclusive, com empresas estrangeiras. Vetaram ainda o direito das empresas, que fazem pesquisa, importarem com incentivos fiscais os bens para pesquisas (equipamentos e insumos para a pesquisa). Assim como vetaram o direito das fundações terem direito de ser ressarcidas em seus custos operacionais por meio de taxas ou equivalentes. Um absurdo incompreensível, mas acredito que o congresso derrubará.
Além desses vetos considerados desfavoráveis à inovação, Fernando aponta para o fato de que o Brasil não possui um modelo econômico que favoreça a inovação. Segundo ele, a prioridade, no país, não é a atividade produtiva e sim a atividade financeira. “Aqui se pratica a taxa de juro mais alta do mundo. Os bancos no ano passado cresceram 26%. Nossa economia não cresceu, ou seja, houve crescimento negativo de 3,8%. Nossa base industrial está cada vez mais atrofiada e olhe que a indústria é por onde ocorre a inovação. Estamos no caminho errado. Enquanto não se baixarem essas taxas de juros, não priorizarem o investimento produtivo não haverá demanda por novos conhecimentos. O resultado é esse, somos uma economia periférica, “o Brasil é um país que exporta produtos de baixo valor agregado, com pouca intensidade de conhecimento. Nos deram a função de exportar alimentos, bens primários e não de bens de consumo sofisticados de alta tecnologia que poderia trazer renda para o nosso desenvolvimento social. Daí não há dinheiro para a educação, saúde, enquanto os recursos forem para aplicação financeira. Esse círculo vicioso tem que ser vencido”, acrescenta.