“Sem capacitação, a área fica engessada porque se criminaliza tudo, não existe uma visão de importância do segmento”, destaca a Promotora de Justiça, Failde Soares Ferreira de Mendonça
Com 22 anos de atuação na área de fundações de apoio e demais entidades de interesse social e 33 anos de Ministério Público, a Promotora de Justiça, Failde Soares Ferreira de Mendonça, integrante da Associação Nacional de Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações (PROFIS) e do Ministério Público de Alagoas, fala da importância da criação dos fundos patrimoniais para assegurar a continuidade do desenvolvimento, do planejamento e da gestão das pesquisas científicas no País.
Failde também fala sobre a falta de habilidade, sobre a gestão das fundação, por parte de promotores da área, com formação apenas jurídica, e de gestores do setor, que apesar de ser doutores em diversas áreas, não se prepararam para a atividade meio, que é a administração. Tal capacitação é de extrema importância, porque o segmento das fundações de apoio é extremamente importante para o desenvolvimento do País. O setor movimenta R$ 5 bilhões ao ano e gerencia mais de 22 mil projetos de pesquisa científica conduzidos pelas universidades públicas e institutos federais.
O Ministério Público de Alagoas, por intermédio da Promotoria de Fundações, tem por atribuição legal velar pelas fundações de direito privado do Estado, que atuam nas áreas de assistência social, cultura, educação, saúde, meio ambiente, pesquisa científica.
Mestre em Educação, Failde tem pós-graduação em Processo pela pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas (FEJAL) e em Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos pela Universidade de Brasília (FINATEC, fundação de apoio da UNB).
Abaixo, a entrevista na íntegra.
Qual a importância da constituição de fundos patrimoniais pelas fundações de apoio para estimular a área científica e tecnológica do País?
Vejo com muito otimismo a possibilidade de constituição de fundos patrimoniais para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação do País. O Legislativo autorizou que as fundações pudessem constituir fundos, de modo legal e assim construir uma nova forma de financiamento, de planejamento e de gestão, importante para o desenvolvimento da área. As fundações de apoio são veladas pelo MP, porém cada integrante, em sua atuação, tem seu próprio entendimento e independência para atuar de modo que essa atuação se materializa de diversas formas no País. Não há uma uniformização de entendimentos sobre o mesmo tema. Entretanto, quando o velamento tem o entendimento não somente do jurídico, mas também da gestão, existe uma melhor compreensão sobre a importância do que a Lei criou. Os fundos possibilitam trabalhar a gestão das instituições com planejamento, sem sustos.
“Vejo com muito otimismo a possibilidade de constituição de fundos patrimoniais para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação do País.”
Como o Ministério Público pode usar as fundações de apoio em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do País?
Quando comecei a trabalhar com fundações, em Alagoas fui direcionada a desenvolver essa área no Ministério Público do Estado, porque o procurador geral da época (1999) queria trabalhar essas entidades e desenvolver aqui esse movimento que já existia no País inteiro. Fiz isso na condição de assessora técnica. Na ocasião, percebi que a minha graduação em direito não me permitia trabalhar adequadamente nessa área. Falei ao procurador sobre minha dificuldade e ele pediu para ver onde existia no País um curso específico sobre gestão do terceiro setor. Fiz um curso excelente de gestão na Finatec, em convênio com a UNB, de 550 horas, uma semana por mês durante 1 ano e meio (18 meses). Esse curso definiu a minha atuação, hoje com 22 anos na área.
Percebi, ao longo dos anos, a importância das fundações, inclusive as de apoio, e do conhecimento de gestão para essas entidades, o que alguns colegas promotores dessa área ainda não perceberam. Essa é uma área de alta rotatividade de promotores. Muitos deles que buscaram informação de gestão, como eu, já se aposentaram; outros trocaram de área. Quando nós procuradores e promotores de justiça da área criamos a PROFIS, foi através de um grupo muito bom, que estudava as fundações e que sentia dificuldade de entender o setor. Ainda temos esse mesmo sentimento e essa constante busca, de uniformização de conhecimentos e de atuação para garantir segurança jurídica para sociedade. Como essa é uma área muito administrativa, com pouca jurisprudência, os promotores sentem dificuldade de trabalhar se não for participando de nossa Associação, onde temos a possibilidade de fazer a formação e compartilhar informações.
“O velar significa cuidar, caminhar junto, não só torcer para o sucesso, mas ser parte dele. Porque se o velamento não for um sucesso, o MP tem que amargar com ele, com o insucesso e o prejuízo social.”
Como difundir os cursos de capacitação no Brasil?
A PROFIS estará trabalhando, em entendimentos com faculdades de todo País, para criação de cursos de pós-graduação e de mestrado de Gestão de Entidades sem Fins Econômicos para formação de gestores do setor e de promotores da área que se interessarem. Saber como funcionam as fundações, como são impelidos a agir os gestores dessas entidades, em meu entendimento, é indispensável para o redirecionamento de atos de gestão equivocados, para uma atuação pró-ativa. Se não sabem administrar, não sabem como os erros são cometidos e como evitá-los. Vamos ficar sempre punindo, correndo atrás do prejuízo e permitindo que se desperdice recursos do social. Como os promotores de justiça e procuradores são os veladores dessas fundações, os cuidadores desse patrimônio, eles precisam saber como cuidar deles, de fato. O velar significa cuidar, caminhar junto, não só torcer para o sucesso, mas ser parte dele. Porque se o velamento não for um sucesso, o MP tem que amargar com ele, com o insucesso e com o prejuízo social. Até para saber se o gestor da fundação é competente ou não para gerir a fundação, é necessário conhecer não só de direito, mas também de administração.
Sem capacitação, a área fica toda engessada?
Fica. Porque se criminaliza tudo, não existe uma visão de importância do segmento. Com a Lei 13.019/2014, o Marco Legal do Terceiro Setor, voltaram o olhar para as finalidades, as metas, os resultados, os impactos para sociedade e relativizaram a prestação de contas formal, a contabilidade. Hoje se olha mais para contabilidade sob a ótica dos resultados. Primeiro analisam o cumprimento das metas, impactos dos projetos regionais e depois disso avaliam se a contabilidade é compatível com tudo que foi feito. Já existe esse olhar do próprio Estado de que o resultado é mais importante do que o engessamento e do que a formalização dos recursos, ao mesmo tempo analisando se os recursos são compatíveis com os resultados. Essa Lei é um espetáculo.
Há muito tempo assisti a palestra de Dona Ruth Cardoso que relatava os problemas da burocracia brasileira. Ela dizia que, por intermédio de uma associação, precisava alimentar crianças na periferia, mas que não era possível comprar o pão da padaria da esquina, porque não tinha nota fiscal, mesmo que esse pão fosse mais barato e que estivesse mais próximo das crianças. Esse era um exemplo que dona Ruth Cardoso citava, de que o engessamento da contabilidade da máquina pública era tanto no Terceiro Setor que era incompatível com o próprio objetivo de filantropia.
“Sem capacitação, a área fica engessada porque se criminaliza tudo, não existe uma visão de importância do segmento.”
O que é necessário fazer para essas relações evoluírem mais?
Precisamos de capacitação e de gestão dos dois lados, de capacitação do poder público e da sociedade civil. Gestão de resultados, gestão de recursos, gestão da própria administração de distribuir os recursos. Porque a lei é muito didática, deixa claro sobre como os recursos podem chegar às entidades, mas para isso é necessário que o próprio poder público se capacite. É preciso criar uma estrutura capaz de selecionar as entidades com mais capacidade de gerir os recursos e de cumprir as metas; precisa acompanhar, fiscalizar, redefinir metas quando as praticadas não forem adequadas e fazer a prestação de contas à luz dos resultados, com impacto social. Vamos criar indicadores, fazer trabalho em rede para que exista melhor efetividade e um trabalho coordenado entre várias secretarias de áreas específicas. Pelos modelos atuais, existe desperdício de recursos, não se tem um trabalho coordenado, uma pesquisa como termômetro. Enfim, não existe capacitação para se trabalhar políticas públicas. Ao mesmo tempo, ainda não temos na sociedade civil um número suficiente de pessoas capazes de movimentar um setor tão importante. Existem dificuldades para gerir recursos voltados para o social tanto do poder público como da sociedade civil. Existe necessidade de capacitação de ambos os lados. De um lado, o Estado quer fazer a sua parte e cumprir o seu papel. Por outro lado, as entidades da sociedade civil querem solucionar os problemas mais próximos (ensino, moradia), mas não existe um entendimento para o favorecimento dessa capacitação.
Qual sua avaliação sobre o entendimento entre o CONFIES e PROFIS?
Isso só tem ajudado. Em 2006, quando eu dirigia o PROFIS, fizemos uma parceria com o CONFIES para que chegássemos a entendimentos sobre a expectativa de cada órgão; o que as fundações de apoio esperavam do MP e vice-versa. Começamos a trabalhar isso, fazendo eventos juntos e muitos encontros do CONFIES com a participação de promotores. Levar nosso entendimento para as fundações e, ao mesmo tempo, receber um feedback das fundações traz interesse pelo estudo e o objeto das fundações. Existe uma relação muito íntima entre MP e as fundações de apoio. Costumo dizer nas reuniões que quando a fundação dá certo, palmas para nós. Quando dá errado, pedras para nós.
“Existe uma relação muito íntima entre MP e as fundações de apoio. Costumo dizer nas reuniões que quando a fundação dá certo, palmas para nós. Quando dá errado, pedras para nós.”
Por que ainda existem tantas barreiras que atrasam o País?
Tenho 22 anos na área das fundações de apoio e 33 de Ministério Público. Antes de trabalhar nessa área eu era promotora criminal do Tribunal do Júri. Eu era cheia de maus costumes da área criminal. Digo maus costumes porque, para nós do Direito Social, existe uma diferença de atuação da água para o vinho. Leva-se tempo para que se desfaça de todos os conceitos da área criminal, de onde se lida com bandidos e criminosos e na realidade é isso, defende a sociedade de bandidos e de criminosos. No Terceiro Setor é diferente, lidamos com pessoas que querem o desenvolvimento da sociedade. Lógico que existem maus gestores e, nesse caso, precisam ser excluídos.
Viviane Monteiro
Assessoria de imprensa