Presidente do CONFIES, Fernando Peregrino, traçou um panorama sobre o desmonte da ciência e o respectivo impacto na reindustrialização do País, em debate do Instituto da Brasilidade
Ao contrário da promessa do presidente Jair Bolsonaro de investir 3% do Produto Interno Bruto (PÌB) na área de ciência e tecnologia no decorrer de seu mandato, o que se vê, de fato, é um desmonte geral da estrutura da pesquisa cientifica e tecnológica do País. A observação é do presidente do CONFIES, Fernando Peregrino, em debate online realizado pelo Instituto da Brasilidade na última semana, sobre políticas de financiamento de pesquisa, desenvolvimento, ciência e tecnologia visando um Novo Ciclo de Industrialização do Brasil.
“A área da ciência e tecnologia vive uma situação deprimente, com investimento abaixo de 1%, mesmo em tempos de enfrentamento de uma pandemia. Ninguém com sã consciência acreditaria que isso pudesse acontecer, de que o investimento chegaria a 3% do PIB. O que ninguém imaginou, porém, era que a ciência fosse tão perseguida”, acrescentou.
Além de reduzir de forma inédita os orçamentos das instituições federais de ensino e pesquisa (IFES) e das principais agências de fomento, como Capes e CNPq, o governo tem se mostrado hostil à atividade, acrescenta Peregrino.
“Um exemplo foi a perseguição ao ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão, que acabou sendo demitido pelo falto de revelar dados oficiais sobre o aumento do desmatamento do Brasil”.
O titular do CONFIES criticou ainda os constantes bloqueios nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a principal fonte de fomento da ciência brasileira. Também a recente aprovação da Medida Provisória nº 1.112/2022 (MP da Sucata) pelo Congresso Nacional.
Segundo Peregrino, a MP prejudica drasticamente o financiamento da pesquisa científica e tecnológica no setor de óleo e gás. A MP recebeu o nome de sucata em alusão ao programa Renovar, criado para atualizar e desmontar a frota de caminhões com mais de 30 anos de uso, com recursos da pesquisa.
Com a alteração da Lei nº 9478/97, a MP desvia R$ 3 bilhões anuais provenientes de receitas de empresas petrolíferas que há mais de 20 anos aplicam nas atividades de P&D do setor de óleo e gás, conforme o dirigente do CONFIES.
O presidente do CONFIES analisou ainda a atuação do governo na pandemia e criticou o desmonte de áreas estratégicas para sobrevivência da sociedade.
“Nós queríamos uma vacina brasileira, mas como não tínhamos investido na base lá atrás e, pelo contrário, tínhamos destruído o complexo de saúde que as empresas ainda tinham um pouco, a de química farmacêutica, por exemplo, não foi possível fazer uma vacina brasileira mesmo com investimento de última hora. Só conseguimos fazer a vacina em parceria com o laboratório farmacêutico britânico Astrazeneca”, lembrou.
Dessa forma, o País dificilmente acompanhará a curva acedente da inovação no mundo, em áreas como células troncos, terapia genética, impressora 3 D, Inteligência artificial, Indústria 4.0, e Internet das Coisas, lamentou Peregrino.
Ciência não deslancha com atualização de lei
Embora o País conte hoje com um marco legal de CT&I moderno e pró-inovação, a legislação não ajuda muito em razão da carência de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
“O Brasil tem um dispositivo legal relativamente moderno que não condiz com a realidade da situação da ciência brasileira”, avalia o presidente do CONFIES, também diretor da Fundação de apoio Coppetec, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Além de investimento no setor, Peregrino defende a desburocratização da pesquisa para estimular o chamado modelo tríplice hélice, que é a relação compartilhada entre universidades, empresa e governo.
“A inovação aberta diz que essas três esferas têm de cooperar entre si para gerar tecnologias em benefício de nossa sociedade. Esse é o caminho para reindustrializar o País”, destacada Peregrino.
Peregrino voltou a criticar o congelamento de bolsas e também a defasagem dos valores concedidos desde 2013. Segundo ele, o Brasil possui 888 cientistas por milhão de habitantes, atrás da Argentina, com 1.207; e aquém da média do mundo, de 1.398, segundo os dados da OCDE.
Na contramão do mundo
O presidente do CONFIES mencionou ainda dados da OCDE segundo os quais 55% das riquezas do mundo são oriundas do conhecimento. Ou seja, sem investir na ciência o Brasil perde oportunidades econômicas. “Os grandes ganhos de produtividade daqui para frente advirão das melhorias na gestão do conhecimento”, disse Peregrino parafraseando Peter Drucker.
O investimento nacional em P&D gira em torno de 1% do PIB, motivo pelo qual o País se mantém há anos na 62ª posição no Índice Global de Inovação (IGI), bem aquém do mundo desenvolvido como EUA (2,8º) e Coreia (4,5º), lamentou o dirigente do CONFIES.
Estratégia ZERO nos programas de Defesa
Outros setores prejudicados pela falta de estímulo científico e tecnológico entraram na roda do debate. É o caso da Estratégia de Defesa do Estado brasileiro. Embora sejam chamados de estratégicos, o presidente do Instituto da Brasilidade, Darc Antonio da Luz Costa observou a falta de capacidade estratégica nos programas de Defesa.
“Os caças da Aeronáutica são armas ultrapassadas”, exemplificou. “Na guerra do futuro, que está no presente (Rússia e Ucrância), se opera com elementos aéreos movidos pela inteligência artificial sem tripulação. Estamos profundamente atrasados”, reforçou o engenheiro.
Costa apontou duas ferramentas fundamentais em tempos de guerra: a tecnologia missilística, entendendo o míssil como tudo que transita nos meios terrestre, aéreo e naval, sem a presença humana, podendo ser controlada tanto pela inteligência artificial como remotamente. A outra é o controle espectro eletromagnético, acrescenta.
“Se não contarmos com o sistema de pesquisa estaremos totalmente vulneráveis em termos de Defesa”, analisou.
Já o vice-presidente do Instituto da Brasilidade, Carlos Saboia Monte avalia que a ciência não conseguirá avançar no Brasil sem a presença do Estado. Enquanto Bruno do Val, mediando o debate, questionou se a carência de recursos na ciência, paralelamente ao despreparo da infraestrutura dos laboratórios de pesquisa, poderia implicar na segurança nacional.
O assessor da Presidência da FAPESP, Alexandre Comin perguntou ao presidente do CONFIES sobre o atual papel das fundações de amparo à pesquisa dos Estados (FAPs) na condução do fomento à atividade de física. Por sua vez, Peregrino enalteceu o papel das FAPs e respondeu que essas entidades vêm assegurando recursos na atividade e ocupando, até mesmo, espaço do financiamento federal.
O debate na íntegra está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jhwWPv2YwDo
(Viviane Monteiro/CONFIES)