O brasileiro nasce, cresce e se desenvolve convivendo com processos burocráticos. A “cartorização” da estrutura pública afeta todos os setores da sociedade, o que inclui as atividades de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Para comprar um insumo para pesquisa é preciso travar uma batalha burocrática até recebê-lo e, ainda, corre o risco de ser punido pelos órgãos de controles do País. A judicialização é um dos mais graves problemas que o cientista brasileiro lida.
A burocracia cerca as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). A situação, que beira a surrealidade, faz parte do dia a dia do pesquisador. Exemplos não faltam. O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) já teve projetos interrompidos por falta de uma assinatura.
“Já tivemos esse problema com um projeto de R$ 1,7 milhão. Também tivemos uma parcela de R$ 2,3 milhões interrompida porque tínhamos que publicar no Diário Oficial da União uma notinha informando a licitação que fizemos. Isto custava R$ 121, mas não estava no orçamento e então tivemos que pagar”, relatou o diretor de Orçamento e Finanças da Coppe, Fernando Peregrino, durante seminário que debateu os desafios e impactos do Marco Legal de CT&I (Lei 13.243/16), nesta terça-feira (2), no Senado Federal. “A gente esqueceu da correção monetária que era de R$ 6,17 e isso paralisou a pesquisa. A professora ficou três meses parada porque a parcela não veio.”
O Marco Legal da CT&I foi criado para dar segurança jurídica para os atores que atuam na área de CT&I. No entanto, apesar de ter sido aprovado por unanimidade nas duas casas do Legislativo, a presidente Dilma vetou parte do texto, impactando a relação entre instituições científicas e tecnológicas (ICTs).
Fernando Peregrino, que também é vice-presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), lembrou que a burocracia atrasa o País. “O Brasil importava catalisadores para fazer o petróleo virar gasolina e diesel. Os cientistas depositaram duas patentes num projeto que gerou economia para a Petrobras. O estudo rendeu um prêmio de talentos da companhia. Mas o projeto foi interditado. Tivemos que devolver R$ 3 milhões porque ele durou cinco anos, um pouco a mais do que limite que não pode ser estendido. Isso é devastador para o ânimo da comunidade acadêmica”, disse Peregrino ao relembrar a inciativa que recebeu R$ 33 milhões de investimento.
Na avaliação do consultor jurídico do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Bruno Portela, a Lei 13.243/16 cria um ambiente mais flexível e desburocratiza os processos. “ A nova prestação de contas priorizará o resultado acima de tudo. O pesquisador será cobrado pela parte administrativa após a conclusão do projeto. Isto traz tranquilidade para os cientistas”, explica.
Portela, contudo, alerta para a necessidade de haver um amplo esforço de todos os envolvidos no setor de CT&I para que na regulamentação da Lei não haja interpretações erradas dos dispositivos estabelecidos pela norma. “Estamos em contato com os pesquisadores, instituições de pesquisa e setor produtivo para conseguir a simplicidade na cobrança. Buscamos um entendimento, por meio de um grupo de trabalho a CGU [Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle] e o TCU [Tribunal de Contas da União] para que eles tragam a visão deles para dentro do decreto com o objetivo de chegarmos a um consentimento e que tenhamos uma única interpretação da Lei”.
Prejuízo
Apesar do novo arcabouço legal constituído pela Lei 13.243, ainda há uma série de incertezas no setor. Isto ocorre em virtude dos dispositivos vetados da matéria. A concessão de bolsas foi uma situação diretamente atingida pela retirada dos dispositivos. O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), durante exposição no seminário, relatou detalhadamente as implicações neste quesito.
“Os vetos retiraram a possibilidade de alunos de ICTs privadas de receber bolsa de estímulo à inovação, que é uma questão extremamente complexa. Também retiraram a previsão da não integração da base de cálculo da contribuição previdenciária das bolsas do âmbito de projetos de estudos específicos que era um outro avanço significativo”, expôs. “Em linhas gerais, os vetos acabaram trazendo insegurança jurídica”.
Na abertura do seminário, parlamentares e entidades de CT&I cobraram do governo federal uma Medida Provisória (MP) para recompor vetos do Marco Legal, que afeta também o setor empresarial. De acordo com a diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, a retirada do dispositivo referente à isenção do imposto de importação vai prejudicar empresas e instituições de ciência e tecnologia.
“Em um momento em que vivemos uma desindustrialização, o setor industrial precisa de estímulos como ocorre em qualquer País desenvolvido. Não se trata de apenas arrecadar, mas também de estimular as empresas a produzir produzir para que o Estado possa arrecadar e gerar empregos de qualidade.”
(Leandro Duarte, da Agência Gestão CT&I)