Por Fernando Peregrino e Rodrigo de Oliveira Leite*

Blog do Fausto/ Estadão

Este último governo é marcado por diversas falhas e omissões na política de Ciência Tecnologia e Inovação (CTI), se é que seja possível afirmar que houve realmente uma política efetiva nessa área. Fernanda De Negri e outros especialistas do setor apontam uma queda de quase 30% nos investimentos em CTI (de cerca de R$ 23 bilhões para cerca de R$ 16 bilhões) de 2018 a 2021. Porém, dado que os aspectos fiscais e orçamentários são extremamente complexos de serem resolvidos nos curto e médio prazos, este artigo se foca numa proposta de redução de gargalos normativos, cuja possibilidade de implementação no curto prazo é maior, e trarão maior eficiência do sistema.

Antes, porém, algumas falhas e omissões da atual política são importantes de serem ressaltadas. A primeira, e mais grave, é considerar a inovação viável sem o desenvolvimento concomitantemente da indústria nacional. Estudos alertam que a queda da complexidade da economia brasileira é assustadora. Levantamento do CONFIES baseado em dados da Universidade de Harvard (disponível em https://atlas.cid.harvard.edu) mostra que o emprego de tecnologia no sistema de produção entre 1995 e 2019 caiu pela metade no Brasil, enquanto que em países como Coreia do Sul subiu seis vezes, na China aumentou três vezes; nos EUA ficou no mesmo nível e no Japão estabilizou-se no ponto máximo. Isso pode significar baixa demanda por tecnologia.

Nesse mesmo período, a participação da indústria brasileira de transformação caiu de 25%, nos anos 80, para 11% em 2020 no PIB. Externalidades como a queda de investimentos em Ciência e Tecnologia (C&T) e a redução dos orçamentos das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) contribuem de forma decisiva para esse quadro negativo, já que 95% da ciência brasileira provêm das universidades, conforme estudo da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Um segundo aspecto muito importante é a questão da gestão exclusivamente estatal das iniciativas do Marco Legal.

Todos reconhecem as dificuldades naturais da Administração Pública, que tende a ser hierárquica, rígida e burocrática e que sofre, segundo declarou o Ministro Bruno Dantas do Tribunal de Contas da União (TCU), do “apagão das canetas” ou infantilização do gestor. Ou seja, uma paralisia do gestor que se torna um agente passivo e dependente de consultas prévias aos órgãos de controle por medo de cometer alguma falha. A atividade de gerir projetos de inovação é empreendedora e de risco, não comporta hesitação nem padrões rígidos e omissão, mas tal risco dificilmente é admitido pela Administração Pública. Portanto, o uso do terceiro setor deve ser estimulado, como as Fundações de Apoio das universidades e as Organizações Sociais (OS), ambas complementares à Administração Pública, mas omitidas em muitas vezes dos relatórios dos órgãos de controle.

O primeiro ponto de extrema importância para uma nova Política de CTI é que essa deve ser estruturada com o objetivo de se reduzir a hipertrofia da burocratização, que toma tempo da pesquisa realizada no Brasil para o preenchimento de diversos relatórios e documentos por parte dos pesquisadores. De acordo com estudo do CONFIES, 54% dos pesquisadores consultados avaliam que a burocracia na área de CTI aumentou nos últimos anos, mesmo com a edição do Marco Legal. Além disso, mais de 70% dos pesquisadores dizem gastar mais de 20% do tempo de trabalho com burocracia, ao invés de pesquisa. Isso cria um gargalo na produção acadêmica brasileira, pois se o tempo gasto pelos pesquisadores em burocracia caísse pela metade poder-se-ia aumentar o output e pesquisa em mais de 10%, isso sem o gasto de nenhum centavo dos contribuintes!

Uma das principais ações do novo governo, portanto, seria determinar que a prestação de contas de projetos relacionados à CTI seja simplificada. Relatórios técnicos devem preceder as formalidades, a não ser em caso de conflito de interesse. Embora conste do Marco Legal, essa norma não vem sendo cumprida, até mesmo pelas sociedades de economia mista que aplicam recursos em P&D.

Alguns outros gargalos normativos também merecem atenção. Por exemplo, a aprovação e publicação do Decreto 7423/2010, pronto na Casa Civil desde junho de 2022, deve ser uma das prioridades do novo governo. Esse decreto proposto pelo MEC e MCTI, com apoio do CONFIES, simplifica e atualiza procedimentos importantes na área de CTI. Um outro ponto importante deve ser a revisão do Decreto 8241/2014 incluindo inovações e limites trazidos pela Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitação): contratação direta de R$ 40 mil para R$ 50 mil, assim como criar uma faixa para o cartão coordenador (pequenas compras) hoje de apenas R$ 20 mil para até R$ 200 mil de acordo com o valor do projeto. Pelas regras vigentes, esses limites estão muito abaixo da realidade de diversos projetos, levando à dificuldade de implementação dos planos de pesquisa.

Finalmente, antes de elencarmos as 17 propostas que julgamos mais importantes para uma Nova Política de CTI, é de se ressaltar que a autonomia universitária foi repetidamente atacada pelo atual governo. Além da escolha de reitores que não foram os primeiros colocados da lista tríplice, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu vários pareceres vinculantes diminuindo a autonomia das Procuradorias das universidades nos mais variados temas. Portanto, é nossa sugestão que a AGU deve se abster de emitir parecer vinculante para as universidades em assuntos de inovação, uma vez que cada uma das IFES tem sua própria política e idiossincrasias individuais.

Assim sendo, ao se finalizar essa discussão elencamos as 17 propostas que julgamos mais importantes para CTI no próximo governo; propostas essas entregues ao GT de Ciência e Tecnologia do Gabinete de Transição.

  1. Fazer cumprir um conceito mais moderno de Prestação de Contas de uma pesquisa (inclusive para as sociedades de economia mista) pacificando o artigo 58 do Decreto 9283/2018, que determina que a prestação de contas será simplificada privilegiando resultados.
  2. Fundos Endowments: aprovação do PLC nº 158 atualmente no Senado para permitir o uso dos atuais incentivos fiscais aos doadores de recursos para pesquisa.
  3. Priorizar a tramitação do PLS 226/2016 que prevê recuperação das perdas do Marco Legal.
  4. Fazer com que as receitas próprias das IFES sejam excluídas do Teto de Gastos.
  5. Expansão do Parágrafo 3º-A da Lei 8958/1994 para todas as IFES e Fundações de Apoio, e não apenas à FIOCRUZ.
  6. Pacificar que as bolsas dos docentes de dedicação exclusiva não computem para o limite das 416 horas.
  7. Suspender os efeitos da MP 1112/2022, mais conhecida como MP da Sucata.
  8. Fazer com que 1% da receita obtida pela União com concessões e privatizações seja direcionada aos Fundos Endowments das Universidades Federais.
  9. Garantir, por regulamentação, que a rentabilidade financeira dos recursos dos convênios acima da Poupança se reverta para os Fundos Endowments (receita extra de cerca de R$ 400 milhões/ano para esses fundos).
  10. Assegurar que a AGU se abstenha de emitir pareceres vinculantes sobre assuntos de inovação referente às IFES.
  11. Instituir o direito a voz das IFES e Fundações de Apoio na Câmara de Ciência e Tecnologia da AGU.
  12. CGU – atualizar o Convênio de 2017 sobre interpretações da legislação.
  13. TCU – considerar o modelo híbrido das Fundações de Apoio e Núcleos de Inovação Tecnológica como forma de romper as barreiras burocráticas para esses últimos.
  14. Aprimorar a Plataforma + BRASIL para projetos de P&D.
  15. Realizar uma campanha de marketing sobre a importância de desburocratizar a atividade de pesquisa no Brasil.
  16. Promover eventos com órgãos de controle para sensibilizá-los sobre a realidade e a particularidade da pesquisa no Brasil;
  17. Fazer pesquisa de opinião entre os pesquisadores para medir o grau de burocratização das atividades de CTI no Brasil.

*Fernando Peregrino, D.Sc. (Diretor da Fundação COPPETEC, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ -, e presidente do CONFIES – Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica)

*Rodrigo de Oliveira Leite, D.Sc. (Professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – COPPEAD -, da UFRJ)

Artigo disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/subsidios-para-uma-nova-politica-de-ciencia-tecnologia-e-inovacao/?utm_source=estadao:app&utm_medium=noticia:compartilhamento
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