Artigo do presidente do CONFIES, *Fernando Peregrino, publicado em 12 de fevereiro de 2020 no Correio Braziliense

“Quem planta tâmaras não colhe tâmaras… “
(ditado árabe)

Acostumado a dirigir a economia do país guiados apenas pelos índices diários da bolsa, dólar e títulos do mercado, os governantes raramente pensam em investir a médio e longo prazos, como é o objetivo dos fundos patrimoniais ou endowments (doações).  Afinal, trata-se de um fundo cujos rendimentos acumulados suprem lacunas orçamentárias das universidades. Esses frutos são de médio prazo, como ocorre quando plantamos tâmaras. Porém se todos pensassem como no ditado, ninguém as comeria. Embora a engenharia genética tenha reduzido de 100 para 10 anos o tempo dessa colheita, o ditado serve para chamar a atenção para nossa falha de não termos plantado no passado os fundos endowments e, assim, atravessar a atual escassez de recursos para educação e ciência.

Depois de mais de 100 anos, após a primeira lei nos Estados Unidos (The Revenue Act, 1917), que promove doações às causas sociais com isenções fiscais aos doadores, como a da educação, o Brasil criou a lei que fomenta a constituição de fundos endowments (Lei nº 13.800/2019).

Porém, na sanção dessa lei, resistindo a pensar no futuro, vetou-se um ponto crucial para o sucesso: os incentivos fiscais aos doadores. Infelizmente, o governo esqueceu o que quis mimetizar:  a experiência da Europa e da América do Norte, onde os depósitos de tais fundos representam quase 1/3 do PIB brasileiro, ou seja, mais de US$ 500 bilhões. Como sempre, faltou visão de longo prazo às autoridades fazendárias para entender que tais recursos são adicionados pelo setor privado às universidades que produzem 95% da ciência nacional e podem projetar um futuro melhor para a nação.

A lei brasileira permitiu que as fundações de apoio sejam organizadoras desses fundos. Em boa hora, o Congresso Nacional, em 11 de junho, derrubou o veto presidencial que as excluía, atendendo pedido da comunidade acadêmica e cientifica. Essas fundações, como se sabe, administram mais de R$ 5 bilhões ao ano em projetos de ensino e pesquisa em 140 instituições universitárias, institutos e centros de pesquisa.

Infelizmente, no Brasil não bastam as leis. É necessário vencer a inércia do próprio Estado que as criou. Recentemente, o Conselho Nacional das Fundações de Apoio (Confies) com ajuda do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), realizou dois eventos regionais (Norte/Nordeste e Sudeste) reunindo 250 pessoas de 50 fundações, de 20 universidades e institutos federais, e centros de pesquisa com especialistas convidados, para dirimir dúvidas e elaborar uma pauta de ações comuns para que superemos o atraso do país no uso desse mecanismo.  Assim, criamos uma Agenda Positiva que será trabalhada no Congresso Nacional, principalmente, para acelerar a criação desses fundos patrimoniais e assegurar o financiamento da educação, da pesquisa e desenvolvimento (P&D) do país em médio e longo prazos.

A Agenda Positiva contempla 11 propostas, entre elas: retorno dos incentivos fiscais da Lei nº 13.800/19, uma vez que todos os países, onde esses mecanismos deram certo, existem benefícios tributários aos doadores, como Estados Unidos e países europeus; aplicação de 1% dos recursos das privatizações em endowments das universidades, como fez a República Tcheca, criando 70 desses fundos (o governo brasileiro estima arrecadar R$ 150 bilhões em 2020, portanto, seriam R$ 1,5 bilhão para os fundos patrimoniais das universidades); e, finalmente, destinar parte das obrigações das empresas do setor petróleo, gás e elétrico, de investir em P&D, a fundos endowments de entidades de pesquisa. Para certificar os fundos que começam a ser criados, como o da Fundação Coppetec, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os presentes no evento aprovaram a criação de uma comissão ad hoc independente.  O Confies produzirá material de orientação para ajudar a acelerar a criação de fundos em apoio às universidades. Só assim colheremos tâmaras…

*D.Sc., diretor da Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec) e presidente Confies

O artigo está disponível em: Artigo: A vez dos fundos patrimoniais no Brasil?

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